A sexualidade masculina está mais ligada ao coração do que se pensa e disfunção erétil é sinal de alerta. Problema que afeta mais de 400 mil portugueses, que procuram cada vez mais cirurgias para aumento do pénis. Cerca de 18% dos portugueses têm-no pequeno e há cada vez mais jovens ansiosos com o tamanho.
Não é todos os dias que se publica um livro sério sobre o pénis em Portugal. A saúde sexual masculina continua tabu e não costuma passar do nível da piada nas conversas entre homens. Mas vai sair uma publicação, em maio, com o contributo de especialistas em urologia, andrologia e medicina sexual, psiquiatria ou modulação hormonal, que quer romper a cortina de silêncio que esconde muito sofrimento pessoal e conjugal. Para lá do papel do órgão sexual masculino como símbolo de prazer e poder, desde a mitologia grega, o modo como ele funciona – e sobretudo como não funciona – é um importante sinalizador de problemas de saúde. E é uma janela de oportunidade para agir e prevenir a doença, sobretudo a cardiovascular.
Nem sempre se soube desta relação, com prejuízo para os mais de 400 mil homens que se estima sofrerem de disfunção erétil em Portugal. “Só há cerca de uma década, os estudos confirmaram que existe de facto uma correlação entre disfunção erétil e doença coronária”, disse ao DN Nuno Monteiro Pereira, ex-presidente da Sociedade Portuguesa de Andrologia e um dos autores do livro Pénis, Prazer e Poder, mas não só…
“A disfunção erétil num homem ainda novo, de 40 ou 50 e tal anos, é uma forte suspeita de doença coronária, quando estão afastadas causas psicológicas, congénitas ou farmacológicas”, atesta o especialista. “Quando este quadro acontece é obrigatório examinar as artérias coronárias e o que os estudos revelam é que há elevadíssimas taxas de relação entre uma coisa e outra”.
Porquê? “A anatomia peniana depende de vasos para a circulação sanguínea que permite a ereção e tem uma estrutura muito parecida com a das artérias coronárias. O que acontece é que como as artérias cavernosas (as do pénis) têm um calibre menor, são mais sensíveis e acusam mais cedo os problemas do que as coronárias”. Por isso, “a disfunção erétil antecede, muitas vezes, em cerca de dois anos o surgimento de problemas coronários”, disse o especialista ao DN.
Estamos a falar de insuficiência cardíaca, angina de peito, ou acidente vascular cerebral, mas não só. Os primeiros sinais podem ser a hipertensão e o colesterol muito elevado, explica o médico. Tendo este conhecimento atempado, ainda há tempo de prevenir ou é já demasiado tarde? “Às vezes já é tarde, mas muitas vezes, quando o problema é detetado no início, há margem de manobra para prevenir, sim”, garante também o presidente da Sociedade Portuguesa de Andrologia, Nuno Tomada, que confirma ao DN bons resultados nos seus pacientes quando se invertem comportamentos. E não há como ignorar o papel do Viagra, o fármaco que há duas décadas veio revolucionar a potência sexual masculina, levando Nuno Monteiro Pereira a dizer que, hoje, “praticamente todos os casos podem tratados”.
Seja como for, é importante procurar ajuda médica, sem recorrer à automedicação, e trabalhar nas causas do espessamento das artérias, alterando estilos de vida e hábitos como o tabagismo e o consumo exagerado de álcool, concordam os especialistas. “O tabagismo é uma das grandes causas da disfunção erétil, porque provoca a perda da elasticidade das artérias cavernosas”, diz Nuno Monteiro Pereira. “A maioria das pessoas está habituada a associar o tabagismo ao cancro, mas não pensa no risco aumentado de disfunção sexual, que é muito real”, enfatiza o urologista.
Prevenir é possível
“É exatamente na adoção de estilos de vida saudável, com alimentação não.inflamatória, exercício físico e equilíbrio hormonal que reside a melhor forma de prevenir a doença e, por arrasto, a disfunção sexual”. Esta é a premissa da patologista clínica e especialista em modulação hormonal Ivone Mirpuri, também convidada a dar o seu contributo na publicação da editora By the Book.
Em declarações ao DN, a especialista em medicina antienvelhecimento não hesita em considerar o pénis como “uma medida de saúde masculina, pois muitas doenças físicas e de foro psicológico têm a sua primeira repercussão neste órgão”. E ressalva que, muitas vezes, “a disfunção erétil (DE) coexiste com outras perturbações, para além da doença cardiovascular, como diabetes e doença pulmonar obstrutiva crónica, que devem ser despistadas antes de iniciar o tratamento do sintoma”.
Mais, “a DE não é uma doença, mas um sintoma”, que deve alertar os médicos para prevenir e tratar problemas em artérias de maior calibre relacionadas com a retina, cérebro ou rim.
Ivone Mirpuri enfatiza o papel da inflamação: “Sempre que o corpo está inflamado, inicia-se a chamada disfunção do endotélio vascular, membrana que reveste os vasos, e vai iniciar-se a formação da doença arterial, a formação de “placas” de aterosclerose e o início da doença arterial, que se manifestará em todas as artérias”.
Por isso recomenda evitar os alimentos ácidos (açúcares, algumas gorduras saturadas, carne vermelha em excesso, álcool, café) e fazer exercício, como pilares centrais da medicina antienvelhecimento.
Deve ter-se também a consciência de que há toda uma classe de fármacos muito usados, como estatinas (para o colesterol), anti-hipertensores, ansiolíticos, antidepressivos, finasterida (para queda do cabelo) ou outras drogas, como haxixe ou cocaína, que podem causar a disfunção.
O que nem toda a gente saberá é que a baixa frequência do orgasmo está também relacionada com maior risco de doença arterial coronária e mais mortalidade no homem, aponta aquela especialista. Mais de 12 mil portugueses sofrem enfartes agudos do miocárdio por ano.
O papel da testosterona
Ivone Mirpuri destaca o papel dos distúrbios hormonais masculinos que impactam negativamente a saúde sexual. E revela que muitos dos homens que a procuram na consulta de medicina antienvelhecimento, “quase sempre arrastados pelas suas mulheres”, começam por referir “cansaço, dificuldade em recuperar do esforço físico, falta de energia e foco e libido em baixo”. Muitos “só conseguem falar do problema concreto de impotência na segunda consulta, quando se estabelece uma relação de maior confiança”, pelo que “não há condições para tratar estes casos em consultas de 10 minutos, como é regra, tanto no sistema público como em alguns privados também”.
A mesma leitura faz Nuno Tomada, para quem “esta abordagem é psicológica também e precisa de tempo para compreender o paciente como um todo”.
Segundo a médica, aqueles sintomas, a que se juntam a irritabilidade e falta de memória, estão muitas vezes relacionados com o baixo nível de testosterona, a hormona sexual masculina, que vai baixando 1% a 3% por ano a partir dos 35 anos. Na ausência de outras complicações, e depois de comprovado o défice, a administração de testosterona bioidêntica em dosagens personalizadas costuma ser indicada e suficiente para melhorar a libido e a performance, diz a médica.
Outra hormona importante é o DHEA, acrescenta a especialista, lembrando sempre que é importante não ter o corpo inflamado para que tenha recetores para as hormonas e que não haja automedicação, pois em excesso pode ser contraproducente e causar, por exemplo, atrofia testicular.
Na mesma linha, Nuno Tomada receita aquela hormona, mas sublinha que “o défice de testosterona não é nem de perto, nem de longe, a causa mais frequente de disfunção, mas sim a cardiovascular (hipertensão), obesidade e tabagismo”. Entre outras causas a despistar está também a disfunção da tiroide, seja hipertiroidismo ou hipotiroidismo, alerta Ivone Mirpuri.
A especialista realça ainda o papel positivo da testosterona como “protetora do sistema cardiovascular e também da função cognitiva”, verificando-se uma relação inversa com a Doença de Alzheimer, que vê como uma vantagem na prevenção da doença.
Se é verdade que a disfunção é mais frequente na andropausa (aos 70 anos, cerca de 70% dos homens sofrem algum nível de DE), não é exclusiva dessa faixa etária, pois “cerca de 40% dos casos de disfunção erétil psicogénica ocorrem em homens jovens”.
Insatisfação com o tamanho
E, atestam os médicos ouvidos pelo DN, “aparecem na consulta cada vez mais jovens”. Ansiedade, depressão, curvatura provocada por placa fibrosa, baixa autoestima e stress são as razões frequentes de consulta, bem como insatisfação com o tamanho do pénis. A preocupação com este tema motivará, aliás, mais de 300 milhões de pesquisas na internet por ano.
“Há cada vez mais pedidos para a realização de terapêuticas e cirurgias de aumento, apesar do elevado risco de complicações quando realizadas por profissionais sem a devida experiência”, alerta o andrologista Nuno Tomada.
Já Ivone Mirpuri considera que o fácil acesso à pornografia, que sobreleva as potências reais, em idades cada vez mais jovens, está a contribuir para uma autoimagem negativa dos jovens adultos, com reflexos na performance.
A obsessão dos homens com o tamanho (mas também das mães de crianças que “questionam frequentemente os médicos sobre o assunto”) motivou já diversos estudos ao longo do tempo, desde o século XIX. Em Portugal, o estudo de referência da morfometria peniana data de 2000 e traça um perfil dos homens portugueses, tendo analisado 498 indivíduos entre os 18 e os 25 anos, 95% brancos, 3,8% negros e 1,2% mestiços. Os dados apurados posteriormente e publicados em 2004 na Revista Internacional de Andrologia revelam que os homens mais altos e magros têm, em média, um pénis maior (10.08 cm em flacidez), ao passo que os mais baixos têm um comprimento menor (9.75 cm), ao contrário do que reza a crença popular. E os gordos ficam no fundo da tabela (8.42 cm).
Ao detalhe, os dados do estudo revelam que a diferença entre um gordo e um magro pode ser de 2,33 centímetros em estiramento. Assim, para quem quer satisfazer a curiosidade, a média dos homens portugueses ronda os 9.86 cm em flacidez, 9.39 cm em perímetro e os 15.14 cm em estiramento.
A investigação de Nuno Monteiro Pereira permitiu ainda confirmar o mito sobre os homens negros: sim, é verdade, pontuam mais alto. Há também os chamados micro pénis, que terão uma prevalência da ordem dos 3% na população portuguesa (menos de 10,9 centímetros em estiramento) ou de “mega pénis” (mais de 19,5cm) na amostra estudada, ambos constituindo problemas para os próprios e parceira(o)s. Só cerca de 1% dos homens portugueses se incluem no tamanho XL, enquanto existe uma prevalência de 18,3% do tamanho S (11 a 13 cm em estiramento).
As técnicas cirúrgicas de aumento (faloplastia) estão cada vez mais avançadas, sobretudo desde os anos 90, mas envolvem grande complexidade e nem sempre garantem exatamente os resultados pretendidos, reconhece Nuno Tomada. Pouco conhecido é, por exemplo, o facto de o tamanho exagerado poder constituir também ele uma causa de disfunção erétil.
Do outro lado da equação, os estudos parecem demonstrar que, ao contrário dos homens – “que os querem sempre maiores” -, as mulheres parecem preferir o tamanho médio. Por isso, há quem costume dizer aos seus pacientes que “às vezes, um nariz mais pequeno e torto respira melhor do que um grande e direito”.