Cabe por tradição médica e conhecimento, ao endocrinologista tratar das disfunções hormonais. Mas como pode ele tratar das disfunções hormonais se o doente antes do quadro declarado vai parar a outras especialidades, que desconhecendo os sinais e sintomas específicos de determinada patologia, não orienta o doente? Tratará então sintomaticamente este doente, pois de hormonas “não tem de saber” sendo pelouro da endocrinologia.

Todos os médicos, de todas as especialidades, recebem doentes cujas queixas reflectem hipofunções glandulares.

A tiróide é uma glândula altamente sujeita à disrupção endócrina que vivemos actualmente. Se formos a ver por sinais clínicos, cerca de 85% de utentes têm sinais e sintomas de hipotiroidismo. Mas menos de 8% reflectem alteração analítica.

E assim, se as análises estão “normais” o doente não é tratado, pois raramente as especialidades médicas sabem dos sintomas da tiróide, em relação ao que fazem, e tiróide só segue para o endocrinologista, se com o quadro todo florido e completo.

Vou dar exemplos práticos.

1- Porque a ginecologia devia saber de hormonas?

Para tratar convenientemente acne (actualmente pelouro da dermatologia, que usa isotretinoina num problema de base hormonal, em que a nutrição tem papel fundamental, tal qual em todos os distúrbios hormonais aliás), tensão pré-menstrual, endometriose, miomas, situações para as quais a grande maioria dá a “pílula” (hormonas não bioidênticas, todas com maior risco cardiovascular e aumento da retenção hídrica) em vez de progesterona bioidêntica ( a mesma que usam para manter a gravidez até à 36ª semana de gestação, mas não sabem é que é bioidêntica, como já pude constatar) associada a medidas importantes para a modulação ou seja optimização da nossa terapêutica hormonal. Mas isto requer tempo. E sem tempo, não podemos pensar e temos mesmo de ter “protocolos”.

Outro exemplo é a Síndroma do Ovário Poliquístico, onde mais uma vez se dá a “pílula” para menstruar! Como tratar SOP, sem tratar a resistência periférica insulínica grande parte das vezes associada a hipotiroidismo subclínico, nesta situação? Mas a resistência periférica à insulina não se trata com metformina! Nunca vamos tratar esta mulher que terá imensos problemas reflectidos em todos os outros metabolismos e sistemas no futuro. Mas todos tratam assim, e moralmente estamos ilibados por isso? Se todos fizermos mal, estamos “seguros” pois é a norma prática usual na especialidade? Há que mudar e ver as coisas de outro ponto de vista.

E endometriose? Mais uma vez “pílula”! E aparecem miúdas novas já operadas ( muitas vezes é necessário) e muitas histerectomizadas com os problemas que daí advêm, quando endometriose é uma doença que tem um forte componente inflamatório a controlar e precisa de progesterona bioidêntica.

Para não falar da perimenopausa e menopausa, onde a mulher sofre de forma escusada e com prejuízo da sua saúde futura com medo das hormonas e do cancro, aumentando o risco cardiovascular e de facto as mulheres morrem mais 6 vezes de risco cardiovascular do que do cancro. E as hormonas não fazem cancro! Há é que perceber que tipo de hormona, vias de administração, dose, e mais uma vez efectuar a modulação hormonal explicando à utente tudo o que ela precisa de fazer para não as “metabolizar” mal.

Mas isto requer tempo. Duas horas em média na primeira vez de consulta. É este tempo que não há e tem de haver. Os médicos têm de ver muitos utentes, pois é isto que contabiliza para os orçamentos hospitalares, e enquanto a visão for esta, estamos a gastar cada vez mais e a não tratar da saúde mas da doença que se perpetua e desenvolve outra consecutivamente. Mas como negócio…óptimo. Embora com prejuízo de todos nós num futuro já presente.

E não é para chocar ninguém, sendo uma constatação que se quer construtiva, dado o que vejo todos os dias vindo de todas as especialidades, me faz escrever isto. Para que todos pensemos um bocado em não tratar com protocolos de imediato, mas se pode haver alguma “causa” para o que está a acontecer, e assim resolver o problema pela raíz, poupando-se no futuro imenso, em custos diretos, indirectos e pessoais. Do próprio e familiares, o que acarreta uma população doente e pouco produtiva. E como sabemos 90% dos custos de cada um de nós com a saúde são a partir dos 65 anos.

2- Porque a gastroenterologia devia saber de hormonas?

Porque para dar exemplos comuns, refluxo gastroesofágico, problemas digestão e obstipação crónica, podem ser sinais de hipofunção tiroideia, a glândula mais afectada à disrupção endócrina pelo seu modo de funcionamento peculiar. E por isso se não soubermos de tiróide vamos tratar sintomaticamente este utente, e o problema de base continua, aumentando o risco tumoral e cardiovascular, as duas maiores causas de morte no Mundo inteiro. E não havendo tiróide a funcionar bem, teremos uma perturbação do metabolismo dos ácidos biliares com problemas que daqui advêm.

E quando “intestino é o 2º cérebro”…temos mesmo de saber muito bem de intestino como gerador de inúmeras patologias. Todos.

3- Porque a ortopedia/reumatologia devia saber de hormonas?

A osteoporose é um problema grave de saúde pública. As terapêuticas de que dispomos são anti-reabsortivas não formam osso “de novo” apenas impedem a perda tão acentuada. E a melhor forma de tratar osso é saber de hormonas sexuais, PTH, calcitonina, HGH, hormonas que sabemos interferirem neste metabolismo. Mas a ginecologia não trata perimenopausa nem menopausa na grande maioria com medo do cancro, e as outras especialidades mais uma vez não têm de saber de hormonas pois é da endocrinologia. E 50% do osso que a mulher vai perder ao longo da sua vida, é perdido nos primeiros 3-5 anos da menopausa.

Mas pobre do endocrinologista que mesmo que queira tratar não é a ele que o doente vai pois não sabe e vai ao médico “dos ossos e das dores ósseas”.

Os serviços de ortopedia têm as camas ocupadas em grande parte com fracturas osteoporóticas do idoso. E não vou aqui desenvolver toda a problemática futura destes idosos.

O sistema músculo esquelético é altamente influenciado pela hormona tiroideia.

Dor e rigidez matinal de articulações, o “dói-me aqui, dói-me ali, e a lesão fácil no desporto” podem ser sintomas de falta de hormona tiroideia, mais uma vez , a glândula mais afectada pela disrupção hormonal e que afeta todos os sistemas e metabolismos e que TODOS os médicos, pelo menos desta deveriam saber. Mas tratar tiroide implica saber regular as outras hormonas pelo que de facto mesmo que não saibam e não queiram saber, há que aprender a diagnosticar e mandar para quem sabe.

Fibromialgia, tem na base quase sempre um hipotiroidismo não diagnosticado pois tudo “está bem”. E é “coisa da cabeça do utente”!

E a fragilidade do sistema músculo esquelético vai levar a síndromas do túnel cárpico, a hérnias discais, e outras perturbações evitáveis. Não estou a dizer que vamos tratar hérnias discais ou sindromas do túnel cárpico com tiroide. Estou a dizer que há uma predisposição para isto acontecer se a glândula tiroideia não estiver a trabalhar bem, o que é comum na realidade actual devido à disrupção endócrina como já referi.

4- E porque a psiquiatria deveria saber de hormonas?

Quando parece que Portugal é o primeiro país da Europa a consumir mais ansiolíticos e anti-depressivos e outras medicações psiquiátricas, é bom que repensemos o que estamos a fazer quando ainda por cima moramos à “beira mar plantados” com sol em grande parte do ano.

Ansiedade, estadios depressivos e ataques pânico…há que rever tiróide…

Stress…cortisol sempre elevado…progesterona e todas as outras hormonas sempre “em baixo”. Todas as mulheres por exemplo em “stress” deveriam fazer progesterona pois o cortisol e a progesterona vêm da mesma molécula (colesterol), têm as mesmas vias de transporte e partilham o mesmo receptor celular, pelo que cada vez que o cortisol esteja alto…a progesterona estará deficiente.

5- E a cardiologia?

Especialidade nobre que trata a maioria de nós pois é a maior causa de morte no mundo inteiro…que sabe de hormonas? Deveria saber? As hipercolesterolémias que tanto gostam de tratar são sinais em grande parte dos casos de hipofunção tiroideia, ligação conhecida há mais de 60 anos.

O órgão que tem mais receptores para a testosterona é o coração, e a seguir o cérebro…e algum cardiologista “pensa” em reduzir risco cardiovascular com testosterona? Penso que não. Isso é da urologia, ou de ninguém, pois “testosterona faz cancro” e portanto também não é da urologia.

E a ICC e a HGH? Quem já ouviu falar de como se relacionam?

E como tratar doença cardíaca sem redução do peso?

E como tratar redução do peso sem equilíbrio hormonal e modulação hormonal? (fazemos modulação hormonal quando temos em conta alimentação, exercício físico, suplementação alimentar, a reposição hormonal e a mudança de hábitos de vida para estilos de vida saudáveis)

O que gostava que percebessem é que nós médicos, de todas as especialidades, devemos saber muito mais do que sabemos de hormonas e modulação hormonal.

O endocrinologista deveria ser o expert das hiperfunções e das hipofunções associadas a patologia orgânica.

Comecei a escrever isto pois ontem apareceu-me uma miúda nova operada há 9 anos a um meningioma. Saiu da cirurgia medicada com 30 mg de hidrocortisona. Apenas.

Não foi orientada para a endocrinologia. E começou a sentir-se mal e uma vizinha que era endocrinologista graças a Deus começou a dar-lhe 75 ug de T4. Embora com uma reverse aumentada, foi uma decisão excelente.

Melhorou em relação ao que estava, mas sente-se “mal”.

Analisando os exames de ontem quando a vi, tem falência hipofisária, muito provavelmente pela cirurgia de há 9 anos. Só vi, porque pedi os exames adequados que me puderam dar essa informação, sem os quais tudo “estaria bem” também.

Não faz mais nenhuma hormona e obvio está em menopausa também, iatrogénica, desde o momento da cirurgia, aos 42 anos. Apareceu-me e estando esta falência hipofisária ligada a patologia morfológica, não me cabe a mim tratá-la e vou orientar. Mas fico triste de ver como uma miúda nova se desgastou e está doente por falta de orientação.

Bem sei dos receptores de estrogénio e progesterona nos meningiomas. Mas sei que se nada se fizer esta pessoa tem risco acrescido de inúmeras outras patologias, além da péssima qualidade de vida que já tem…com medo de uma recidiva que é muito rara. É um “trade-off” a considerar.

E a Urologia? Quantos urologistas manobram testosterona? E são inúmeros os exemplos que podia indicar aqui. Gluten e doenca autoimunitaria. Uma relacao inquestionável.

A astenia, a fadiga crónica, a falta de concentração e memória, tudo isto requer equilíbrio hormonal para ser evitado. Com modulação hormonal.

E mesmo a tiróide, não basta como já referi dar um comprimido. Tratar hipotiroismo é tratar intestino, alimentação, verificar a interrelação com as outras hormonas, eliminar toxinas e corrigir o sono. Então dar um comprimido. Assim também me deparo muitas vezes com doentes que vêm da endocrinologia medicados ou seja com a reposição feita, mas sem a modulação hormonal efectuada. Ou então nem medicados pois “as análises estão normais”. A repensar e não sentir-se atingidos, pois nem todos somos iguais na verdade. Mas esta é a realidade.

Na verdade costumo dizer: Só temos de reequilibrar o corpo. Ele tratará do que não está bem. Tal qual o Hipócrates, dizia, em linguagem do século XXI: “dar bons in-puts, para que tudo se processe bem”.

Se todos os médicos soubessem mais de modulação hormonal, trataríamos a saúde e não a doença já no seu estadio declarado. A meditar sobre isto.

O GEMAE organiza o curso de Modulação Hormonal anualmente. Para informações e envio de CV resumido, para aceitação da sua inscrição: www.gemae.pt/agenda

Limitado a 30 médicos. Aprenderemos as bases da modulação hormonal e a tratar desta forma o nosso doente. Seguramente a ver a medicina de uma outra forma: como médicos na sua plenitude e não como agentes comerciais.